este texto é sobre fones de ouvido
passo o tempo inteiro com fones de ouvido, será que o som da vida me é desgostoso?
nunca parei para pensar muito bem quando os fones de ouvido e músicas no máximo passaram a fazer parte da minha vida, só sei que foi assim: De repente. Buuum. E então estava com os fones com fio ou sem, mas com a música sempre no máximo até na hora do banho. Nunca, até hoje, até me sentar nessa mesinha com um canto lascado e uma unha postiça colada, nunca até hoje, parei tanto para pensar. O som da vida não é tão ensurdecedor assim, porque eu uso fones de ouvido o tempo inteiro? Do que estou fugindo?
em algum momento do meu desenvolvimento psicomotor e neurológico, passei a gostar de café, que antes considerava amargo e ruim - mas hoje o tomo todas as manhãs quase que como um ritual que me renova a alma. Em algum momento da vida, tudo mudou. Passei a beber café tal qual precisamos de oxigênio para sobreviver; em algum momento passei a preferir o som estridente das músicas ao som de uma conversa familiar ou da sala de aula. Em algum momento tudo mudou, e eu, tola, não me dei conta.
e este questionamento segue a mesma linha de pensamento que "porque estou correndo tanto no dia? Para onde e do quê estou correndo?". Agora só posso me perguntar a quantidade de diálogos que nunca tive por estar com fones de ouvido, a quantidade de pessoas que me deram um oi sem resposta, porque não consegui ouvi-las e até uma porção da vida que deixei de viver e me fechei em um mundo com plano musical ao fundo.
será que foi uma forma de me fechar em um ambiente seguro, ou melhor dizendo, criar um lugar seguro para me fechar? Será que o rock, a princípio, foi uma tentativa minha de externalizar a raiva que sentia desde pequena? É engraçado como achamos que nós conhecemos, e de repente um café, em uma pesa lascada com uma unha postiça colada, nos faz repensar toda a nossa vida.
escrevo este texto há mais de dez minutos, sem fones de ouvido, é claro. O som da vida não é tão insuportável ou monótono assim, é calmante na verdade. O som do farfalhar das árvores é muito gostoso e escutar os pássaros ou ouvir as pessoas conversando de longe e os carros passando é bem confortável.
porque evitei isto por tantos anos à fio?
o quanto será da vida, que perdi por entre playlists que, embora muito boas, formaram uma bolha quase impenetrável a luz a vida que acontece ao meu redor?
não deixo de pensar que, quando meus pais eram vivos, perdi muitos diálogos e oportunidades de conversa por estar fechada. Agora se foram, e não há mais conversa. Não digo isso para melancolizar ou me maltratar, apenas para refletir sobre o quanto dos vivos dou valor e aos diálogos de pessoas que são quietas não por opção, mas por não ter quem as escute. Acho que minha avó teria muito a me contar hoje, se estivesse viva e eu a convidasse para um café da tarde.
minha professora talvez tenha muito a dizer do seu trabalho, da sua filha e da sua vida pessoal se eu a convidar para um café no fim da tarde e apenas estar presente e prestar a atenção.
o quanto da vida será que me foi por entre os dedos por não estar presente?
para onde estou correndo mesmo?
se passaram alguns anos desde que assisti Diabo veste Prada pela primeira vez, e alguns meses desde a última vez que re-assisti novamente, uma tradição da qual renovo ao menos uma vez por ano. E ainda sim, nunca entendi muito bem porquê a personagem principal abandonou o emprego dos sonhos justamente quando estava evoluindo na carreira e sendo reconhecida. Talvez ela estivesse cansada dos fones de ouvido assim como eu, ou talvez seja tolice minha me comparar a tamanha figura alheia do eu lírico.
há um espaço infinito entre o eu e nós, seria tolice minha comparar ambas as trajetórias fadadas ao inexistente das poeiras estelares. De toda forma, não posso dizer que ela está totalmente errada ou que eu, em seu lugar, faria diferente. Sinto certa simpatia, confesso, por seu ato de coragem e rebeldia em tirar seus fones de ouvido.
vamos nos inspirar mais nela, e menos em músicas que fazem nossas cabeças doerem e letras que nos partem o coração. A vida não é isso tudo, e nós não somos tão importantes assim.
aceita uma xícara de café expresso?
Não costumo usar muito fone na vida pq me atrapalha de ouvir o meu entorno e amei demais seu texto! Não que eu veja poesia em tudo, mas vou tentar acompanhar mais e dar valor nessas escutas